Resposta

Dor de cabeça, mal humor, vontade de comer chocolate. Estou no terceiro dia de dieta e o corpo resmunga sinais de desconforto. Ah, se fossem sinais de fogo! (A gente perde a coesão do texto, mas não perde a piada). 

Encontrei uma querida colega depois de meses e ela parecia envergonhada de admitir que engordou sete quilos esse ano. Sorrio, dividindo o incômodo com ela. Eu também engordei esses quilos todos desde julho. Passamos três anos nos encontrando três vezes por semana para treinar, dividimos informações sobre ida a nutricionistas e chegamos a um pico de bem estar em algum momento no meio desse caminho. 

Mas a vida sempre acontece. Ela foi passar um ano fora da nossa cidade, acompanhando suas atletas do vôlei em viagens de campeonatos, e eu machuquei o quadril. A lesão me colocou em pausa forçada por seis meses e, embriagada de dor, me entreguei aos opióides. Estou aqui, oito quilos depois. 

O tratamento da dor é um dos maiores desafios dos profissionais da saúde. Ministrei aulas sobre essa temática na psicologia, na fisioterapia, na educação física. A percepção de dor para cada corpo varia muito mais do que gostaríamos, levando em conta certos critérios singulares de sensibilidade. As tabelas científicas que construímos para conseguir partilhar de zonas de conhecimento comuns sobre a dor são sempre menos precisas do que gostaríamos. Com vivências corporais absurdamente distintas, estranhamos quando alguém urra de dor diante de algo que muitas vezes nem sentimos cócegas. Há um abismo entre nossas percepções de dores e um precipício no instante de nomeação destas. 

A realidade que supostamente partilhamos é uma construção. Na maior parte do tempo, essa ilusão de equivalência parece funcionar. Todavia, na hora da dor, o que grita é a voz fora do tom de um coral uníssono. O berro sinaliza um desconforto infantil que preferimos esquecer, reverberando algo da nossa solidão universal. A dor ressoa um incômodo que o mundo inteiro não parece compreender. Pode, no máximo, acolher e tentar remediar. 

Me acostumei com a dor física desde muito cedo, mais do que deveria. Por isso, quando um fisioterapeuta especialista em fraturas perguntou qual era meu grau de dor num dia desses, de zero a dez, respondi, sorrindo: quatro! Na minha acomodação, quatro denotava o quanto a dor já tinha diminuído naqueles últimos três meses de tratamento. Assustado, ele esbravejou: Nossa, ainda é muito! Desconcertei. Acho que passei a vida inteira fora de sintonia com o som do universo, sentindo quatro. Posso seguramente afirmar que quatro cerne bem o meu estado normal.   

É desse lugar ilusoriamente referenciado como quatro que eu leio hoje os primeiros sintomas de revolta do meu corpo com o começo da dieta. Dor de cabeça constante, mal humor, compulsão por chocolate. Desconfortos, apenas. Estamos longe de um quatro, ainda. Até porque ainda quero descobrir o que é sentir três, dois, um… zero. Desfaz o vento o que há por dentro desse lugar que ninguém mais pisou.

Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2023) Resposta. Em: www.alineaccioly.com.br

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