Ainda é Natal. Passei o dia em silêncio. Vinte e quatro horas sem abrir a boca para enunciar qualquer palavra. Escrevi três textos, deixando as palavras encontrarem acomodação no papel. Conversei com algumas pessoas por mensagem e assisti filmes e séries. Não abri a boca para falar.
Falar é superestimado. As pessoas falam demais e não dizem nada. O inferno dos outros é a opinião. O Lugar de fala constantemente se torna uma verborragia como um tiroteio na favela. Só mata quem não tem nada a ver com a guerra.
Tenho sentido falta de ar. Foi uma sequela pulmonar que ficou após COVID. Então, se falo demais dando uma aula, por exemplo, fico ofegante e cansada. Preciso fazer longas pausas para respirar profundamente e recobrar o fôlego. Além disso, tem o fato de trabalhar como psicanalista e, com isso, escuto mais do que falo. O ato de um dizer tem muito valor para quem escuta. Logo, somados os resquícios da COVID ao cansaço verbal excessivo e o trabalho de escuta me tornam cada vez mais calada.
Ao contrário do que pode parecer, isso denota o valor que dou às palavras. Ainda que acredite que as mulheres devam falar cada vez mais qualquer coisa que queiram, meu caminho tem sido de abraçar as palavras depois de ditas. E não gosto de sair abraçando qualquer coisa mundo afora, então tem sido importante dizer o que posso abraçar com carinho.
No silêncio, percebo os efeitos da dieta no meu corpo. Hoje senti um buraco na barriga e me dei conta que errei o horário da refeição. O relógio marca o horário das três e quinze da tarde e estou sem comer desde as dez horas da manhã. Perdi o almoço e o primeiro lanche da tarde. Estava distraída com o silêncio e os livros.
Investigo os vazios e as erosões que habitam o corpo. Por isso, o texto de hoje vai ser curto, porque preciso correr e alimentar meu corpo. E hoje não apenas com palavras, mas com experiências gustativas que me permitam lembrar que a regulamentação é a busca de um ponto em que o excesso não pode reaparecer pelo esburacamento sem fim. Há lugar para o prazer, afinal.
Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Silêncio. Em: www.alineaccioly.com.br
