Thinkos

(Respira, enche o pulmão de ar que esse texto exige fôlego. Não o abandone antes do fim. Vamos juntos atravessar o terror e a preguiça da economia dos 140 caracteres?)

“O que pensamos e sentimos é sempre uma tradução” 
Bernardo Soares (Fernando Pessoa)

A tiger in paradise é um filme protagonizado pelo cantor José Gonzáles e dirigido por Mikel Cee Karlsson. A verdadeira protagonista do filme, no entanto, é sua loucura silenciosa. Ela inevitavelmente irrompe, barulhando qualquer tentativa outra de organização da experiência existencial do cantor como um corpo no mundo. 

Assim que o documentário começa, Gonzáles nos insere em sua rotina êxtima, aparentemente calma, mas inquietante. Sua preocupação vai se constituindo sutilmente nos primeiros cinco minutos introdutórios do longa-metragem e nos assombra durante todo o filme: como se fixar à realidade e não romper com a organização social através de delírios que se constituem discreta e lentamente na vida cotidiana de um sujeito? 

É de se esperar que a voz de um cantor ressoe no âmago dos nossos corpos e, por algumas vezes, toque lugares por vezes nunca compartilhados com outrem. Porém, nesta obra cinematográfica, ecoa uma interrogação que, ao longo do filme, já não é mais exclusivamente testemunhada apenas por sua voz, mas é também uma incorporação parcial de um ruído que também nos habita. 

As três primeiras cenas do filme dão o tom da trama que começa a se desenvolver: no primeiro frame, somos atravessados pelo barulho consonante de palmas efusivas produzidas por diferentes corpos que se organizam e se agrupam em torno das batidas de uma música performada por uma banda, do qual levamos alguns minutos para descobrir trata-se da banda ao qual ele fez parte; O segundo frame irrompe através do barulho repetitivo, robótico e seco advindo do detector de fumaça localizado no teto de um lugar que, posteriormente, descobrimos ser sua casa; O terceiro frame começa pela furo no silêncio provocado pela voz de José contando, com uma voz suave, que acabou de sair do seu terceiro surto psicótico.  

Esses três momentos são como três fios possíveis da escrita do som que serão alinhavados ao longo de todo o filme. Há um som consonante que marca a presença consistente e irremediável do universo, localizável através do barulho ao redor (como os sons da natureza e ruído de pessoas e animais); Há outro som desvitalizado e agudo cuja reprodução repetitiva e incessante organiza o espaço-tempo através de sua alternância entre presença e ausência, como as batidas de um metrônomo (dispositivo de fumaça, liquidificador, etc.); e há uma sonoridade suave na voz desconcertante que ressoa através da língua estrangeira e inquietante de um homem que fala e canta sobre as voltas com a difícil tarefa de existir. Somos apresentados ao universo de Gonzales através dessas três variações sonoras que coreografam, interpoladamente, a existência de seu corpo.

Após sermos apresentadas aos três elementos sonoros que tramam um estatuto para o lugar da voz na configuração de sua existência, encontramos a primeira figuração desse corpo falante e falado: a tela é preenchida pela imagem de seu rosto deitado, recém acordado na manhã de um dia claro. José olha fixamente para um ponto vazio, comumente chamado de ponto de fuga do olhar. Sua expressão recorda um esforço necessário, em um jogo antigo que ficou famoso nos anos oitenta, quando era necessário usar essa técnica de fixação num ponto de fuga do olhar para que a imagem se transformasse, revelando outra, escondida na mesma figura. Localizado desse lugar escópico frente ao mundo, José se apresenta através do episódio que determinou sua indiscernibilidade entre a fantasia e a realidade. 

Ele olha o mundo horizontalmente do seu leito, como quem despertou para uma realidade que por vezes parece mais delirante do que seu universo onírico. Sua leitura de mundo enxerga intenções que não existem, idealização de coisas que não fazem sentido. Seu mergulho nesse universo particular é interrompido pelo aparecimento de sua filha, que entra em cena, produzindo nele um sorriso e um despertar para o outro mundo, vertical. Ela pergunta: Você está acordado? Ele ri, enquanto ela brinca com seu nariz. Estamos acordados? Para qual realidade despertamos, ao abrir os olhos todas as manhãs?

O modo como ele narra, inicialmente, seu estado psicótico, desconcerta. Soa no mesmo tom que o ruído insistente do dispositivo contra fumaça. Essa camada de vida cotidiana é organizada em torno de um apito constante, responsável pelo alerta de uma possibilidade futura de incêndio. O ouvido vai aos poucos se acostumando com o som agudo e invasivo na rotina, pois é um sinal de segurança, já que denota a não detecção de fumaça no ambiente. A ambiguidade se situa nessa inscrição sonora da possibilidade: é porque apita categoricamente no mesmo tempo que pode ser lida como sinal de que está tudo bem, ainda. O alerta do perigo está sempre presente e só sabemos disso pelo sinal que indica sua ausência.

O diagnóstico do cantor nos é apresentado através da transformação mental que se desdobra em seu corpo por efeito do estresse e da falta de sono. O desarranjo entre seu corpo, o excesso (estresse) e a falta (insônia), produz nele um transbordamento de significações para traduzir o desconforto: quase tudo passa a ter sentido, especialmente os detalhes. Se as pessoas o olham, por exemplo, a cor de suas roupas pode ser um sinal secreto, uma mensagem codificada destinada somente a ele. Em pouco tempo, ele tem certeza que está sendo seguido e grampeado, justificando o isolamento em seu apartamento. O mundo passa, então, a invadir sua casa através dos sons, como de gaivotas, que passam a ser lidas como robôs voadores de vigilância. O que ele parece buscar é uma referência para traduzir a desordem que se configura no seu estado de existência. O impasse é que ele passa a buscar uma língua secreta que possa traduzir deu desnorteamento existencial fora, promovendo, contraditoriamente, um desconcerto entre sons, formas e sentidos. 

Não por acaso, o elemento norteador inicial da segunda cena, o dispositivo de fumaça, presença da ausência, passa a significar, nesse período, o dispositivo que ilumina, com sua luz intermitente, o que ele deve fazer. É através  desse operador que ele regula seu corpo, os instantes que deve deitar, levantar, funcionar como um corpo feito unicamente de órgãos em funcionamento num circuito fechado. A transformação produz uma substituição: seu corpo foi excluído como referência primordial de uma língua responsável por traduzir a si mesmo e o mundo e, em seu lugar, são os signos seguros, desvitalizados e ininterruptos dos objetos do mundo que passam a ordenar o campo de tradução do seu destino. Essa é sua louca realidade. Mas, o que ela tem de tão diferente de qualquer realidade de outras pessoas na atualidade? 

Milhares de pessoas, nesse momento, despertam com o barulho intermitente de um celular que apita e determina, através de aplicativos, a hora de comer, de trabalhar, de exercitar e de dormir. Outras centenas de pessoas, nesse momento, buscam alguma mensagem divina, transmitida secretamente através de algum acontecimento ou encontro com o universo. E, num mundo em que nossos dados são produtos de consumo, temos a certeza indiscutível que estamos sendo seguidos, grampeados, determinados pelos algoritmos que nos codificam e nos traduzem quase perfeitamente. Logo, a experiência do mundo particular de Gonzalés, diagnosticada como um estado psicótico, é tão real e louca quanto as nossas, nesse exato momento. Mas, no instante em que José interrompe o som desconcertante e intermitente do dispositivo ordenador de sua realidade que fala através de sua boca, podemos finalmente escutar o barulho ao redor: as águas do rio, o dedilhar de seus dedos no violão, o risco da caneta no papel. Esses sons coreografam seus movimentos e passos indecisos no mundo, mas ficam escondidos e abafados pelo tilintar do aviso de não-fumaça. 

José está escrevendo seu quarto álbum musical e está, também, acompanhando a gestação de seu segundo filho. Para ele, a escrita de suas músicas seguem um fluxo contínuo e natural de seu modo particular de inquietar-se. Seus devaneios se escrevem como textos sobre quem somos, para onde estamos indo, nosso lugar no cosmos. Na cena, seu corpo se apresenta também através de três camadas: a presença visível de suas mãos escrevendo, o barulho da caneta ao riscar o papel, e sua letra depositada no papel, mas mantida sem foco, suspendendo a possibilidade de nossa leitura do texto que ali se escreve. Sabemos que sua presença é de um corpo que escreve e produz sons, e isso basta, naquele instante.

Entretanto, a presença em ausência está lá, no aviso que o cantor nos deixa sobre a evolução de sua psicose, concomitante às construções através da escrita e da música que dão passagem à suas criações delirantes. O apito da fumaça, dispositivo-representante de um discurso que encerra seu diagnóstico como um defeito no funcionamento cerebral, retorna toda vez que José intenciona apresentar uma narrativa sobre seu modus operandi. Os thinkos, por exemplo, são fenômenos que José descreve como erros de pensamento. Ao catalogar sua loucura através de fenômenos como este, González tenta contornar sua leitura do mundo que o habilita a pensar e construir problemas incessantemente. É como se o módulo de solução de problema sem seu cérebro ficasse constantemente ligado, impedindo que ele use seu tempo com soluções ou outras atividades. Sua ação fica, então, paralisada. Por ser incapaz de solucioná-los, rasura sua habilidade como um equívoco, apagando a possibilidade de reconhecer a escrita dessas equações insolucionáveis como formas essenciais para ler e traduzir o mundo para físicos, matemáticos, artistas, dentre outros.

A contradição está em cena. De sua boca escutamos esse discurso supostamente de si que foi produzido pela versão diagnóstica fenomenológica da saúde mental. Do testemunho traduzido aos olhos do diretor do longa, somos apresentados à encenação de sua escritura através do tratamento que ele dá à presença do barulho do mundo e da composição de um álbum musical. Seu corpo se dobra ao texto, à caneta, à palavra, mas ecoa, insistentemente, o apito determinante do alerta que paralisa sua ação: cuidado, sua loucura pode irromper a qualquer instante! É como se ficasse preso num sonho, com sua lógica tão distorcida quanto real. Diante dessa indistinção precisa entre realidades, José questiona: como posso saber se está acontecendo novamente? O que define a realidade das nossas experiências? 

O fim da primeira parte do filme, que transcorreu em apenas cinco minutos, nos oferece os elementos necessários para ler o roteiro que começa a ganhar corpo. Trata-se de uma escrita da loucura. Qual loucura? A do tigre no paraíso. O título do filme, A tiger in paradise, é baseado nas crenças de testemunhas de Jeová. Eles têm essa fantasia de que, após a morte, haverá essa utopia perfeita, onde tudo é ótimo, não há perigo, o clima é sempre bom, todos são amigos e tigres são amigáveis, explica González. Mas o que acontece se você coloca essa fantasia na realidade? 

Um tigre feroz, respondendo a sua natureza instintiva, escolhe jantar a perna de um dos personagens, como assistimos em uma cena arrebatadora no meio do filme. É assim que o longa-metragem apresenta e confronta a sutil transformação da loucura no cotidiano, que rompe gradativamente com as transparentes linhas distintivas entre a normalidade e a loucura. Somos capturados pelo modo como as  cenas são transpassadas e, por vezes, parece que é a nossa loucura que entra em cena para traduzir a sequência de imagens, sons e tons paradoxais a qual somos imergidos. 

Há algo de universal que nos atravessa no documentário, pois é possível que todos nós, de formas diversas, passemos uma vida inteira assombrados com essa difícil tarefa de desenhar com clareza uma borda entre a realidade psíquica de cada um e uma suposta noção de realidade compartilhada. Essa preocupação é assumidamente humana e histórica, presente em diversos estudos filosóficos como em A história da Loucura de Foucault, na invenção diagnóstica da histeria e da psicose, como referentes clínicos do campo psi, e o surgimento da Psicanálise, dentre outros.

Porém, as produções neoliberais sobre a loucura romperam com uma tradição filosófica de tratamento dos enigmas humanos, assumindo, em seu lugar, uma versão neuro-bio-cognitiva que sempre existiu, mas agora nos impele cada vez mais às nomeações coletivizadas através de siglas e números. TDAH, TOD, TAB, dentre outras, são siglas que pretendem contornar e resolver as manifestações do corpo. Contudo, se tornam apenas signos de um diagnóstico desumanizador. O apaziguamento da angústia de habitarmos o mundo linguageiro se escreve ao mantermos a loucura como referente. Cernindo seu ponto de disrupção, encontramos a assunção de uma única letra capaz de nos representar no universo: X. Esse cruzamento de dois traços, ao fundar um ponto, escreve, matematicamente, a função de uma incógnita matemática. É o elemento representante de um rastro deixado pelo pedaço irredutível do nosso corpo vivo que caiu no mundo e que se torna uma marca radical de diferença de cada um. É por isso que obras como as de Gonzáles são um respiro que furam o empuxo à massificação de sujeitos. 

A perversão dessa nova-velha ordem econômica avança através da apropriação angustiante de uma demanda humana por comunidade, mas produz um desmentido da impossibilidade de realização desse conjunto social em perfeita harmonia. A noção de harmonia que nos interessa socialmente está próxima das estruturas musicais, como em uma sinfonia ou em uma orquestra. Nessa lógica, soa harmônica a não correspondência idêntica de instrumentos musicais, pois é a possibilidade de variação no manejo dos instrumentos que resulta em interpolações sonoras, costurando linhas e coreografando composições e arranjos criadores de novas experiências através do usufruto da linguagem. Qualquer possibilidade de laço social toma corpo na condição de inclusão dos pontos de inquietude singulares que poderiam produzir maneiras de fazer laço pela diferença. Assim, as siglas mentais, contrapostas as notas músicas, se tornam letras a favor do apagamento de subjetividades, universalizando economias higienistas que nos ajuntam como uma massa agrupada de estados transtornados, sindrômicos e deficientes. Atados, não escrevemos texto algum com tais siglas. Viramos códigos, como os de programação. Ficamos esquecidos como letras hieróglifas, como notas músicas à espera de escuta e composição articulada.

A permanência desse modo de leitura das manifestações humanas de sofrimento exclui os sujeitos de seu caráter transitório de estados de existência. Somos roubados do direito à circulação e ao movimento essencial de transformação, único aspecto que nos restou comungar de uma hipotética origem natural ora compartilhada. Com nossos corpos perdidos da ordem das espécies animais, sem lugar, arrastamos, insistentemente, o que de mais natural ainda mantemos: a necessária capacidade de transformação. 

No documentário Fungos fantásticos, do diretor Louis Schwartzberg, descobrimos que o fungo não é um vegetal, nem um animal, mas um intermediário: ele é seu próprio reino. Há mais de um milhão e meio de espécies de fungos. Desses, cerca de vinte mil produzem mais uma variedade imensa de cogumelos que, por sua vez, possuem diferenças abissais de forma, tamanho, cores e estilos de vida. Eles possuem, essencialmente, uma capacidade enorme de transformação. Se precisamos nos referir a uma origem comum suposta à natureza, de onde evoluímos, acho mais interessante investigar nossa semelhança com os fungos do que com os macacos. 

Nossa capacidade de germinar, morrer e renascer através da transformação de corpos em modalidades absolutamente variadas e distintas talvez seja a forma de inteligência mais valorosa na nossa cadeia evolutiva. Do latim, a palavra inteligência quer dizer o exercício de depreender o sentido de alguma coisa utilizando a razão de uma hipótese. Em algum momento da história, fomos reduzidos à hipótese do funcionamento mental, esse circuito enervado consistido por uma massa cefálica que supostamente produz pensamentos ininterruptos como forma de traduzir o mundo. A intelectualidade, como uma faculdade de compreensão do funcionamento mental através da atividade pensante, tornou-se, portanto, um valor económico social. 

Enquanto a redução da nossa existência à ordem mental e neurológica insiste como único modo determinante de compreensão do humano, o projeto de exclusão de toda e qualquer hipótese outra de funcionamento corporal segue em andamento, em atrito com as mais variadas manifestações corporais que insistem em contar outras narrativas através do sofrimento e dos sintomas. Somos reduzidos e coletivizados através da similaridade encefálica e neurológica e respondemos a essa partilha social forçada com grande sofrimento. 

Se a identificação coletiva a uma ordem se torna necessária para viver em sociedade, fazemos esse acordo de compromisso das formas mais singulares possíveis, e com isso mantemos vivo um pedaço de nós que não se deixa ler através de siglas, mas que se mantém como letra apagada, desaparecimento que retorna como o grão de loucura que orienta silenciosamente nossa forma de habitar um corpo, a única morada possível para o sujeito, mesmo que soe quase sempre estranha e inquietante. O caráter indeterminante e transformador essencial que arrastamos, como o dos fungos, insiste em ser negado e rejeitado. O impasse é que nessa recusa, perdemos um pedaço importante de nós no processo, grão que insiste em existir através da recusa, da não adequação à essa construção falsa de normalidade e natureza.

Fernando Pessoa, poeta português naturalizado na África durante os anos essenciais de sua infância, aprendeu logo cedo a viver como um estrangeiro nato, entre línguas. Essa experiência alargou sua compreensão da realidade: ela é sempre uma tradução, uma versão. Logo, é tarefa de cada um de nós escrever entre línguas (a de origem, a do mundo e a nossa), para versar uma tradução do nosso desencontro fundamental entre nossa suposição de existência, nosso corpo-morada e o mundo.  

Cada pessoa que atravessa o espaço temporal que se situa entre o nascimento e a morte é um escritor possível, um tradutor contingencial e necessário de sua forma de existência única nessa tríade – sujeito – corpo – universo. Por isso, o psicanalista Jacques Lacan pôde afirmar, ao final de seu ensino, que escrever é uma loufoquerie. O significante em francês, que foi traduzido em português por surto, pois remete tanto a folie – loucura -, como a étrangeté – esquisitice-, e a absurdité – absurdidade. O termo surto, em português, congrega todos esses sentidos e, ainda, remete à irrupção imprevisível de um modo de traduzir o mundo que rompe com a um estado consonante e conforma linguageiro anterior, permitindo escorrer o sujeito que ali situava-se reduzido à codificação de um discurso. Ciframos ininterruptamente os elementos que compõem nosso entorno e incorporamos, em transformação, o universo inteiro que atravessa nossos poros, como os fungos. É uma loucura! Inventar um jeito de viver que escriture uma trama entre existências inicialmente incompatíveis é um esforço em transformar o impossível e não equivalente em um concerto de letras, sons e gestos.

Voltando ao filme que deu início a esse texto, é após um hiato produzido pelo barulho da chuva fora do apartamento, finalmente podemos conhecer a letra de José. No frame do longa-metragem, figuram frases e palavras escritas em sua grafia: what the fuck are you doing now? Lá fora, observamos o ninho de um passarinho recém nascido, sozinho em uma arvore enorme. Ele grita. Há algo mais real do que o grito desesperador e cheio de vida de um recém nascido?

O documentário de José Gonzáles testemunha como ele escreve sua resposta singular à interrogação que nos assombra.  Por isso, recupero a primeira palavra que José apresenta na borda entre o discurso psi e seu uso singular da língua. Thinkos escreve seus erros de pensamento. Errar, na língua dos neologismos lacanianos – erre-eur –, é uma composição que implica:

1. Erre: vaguear, andar, errância;

2. L’erre: errância, derivar;

3. R: da topologia borromeano RSI, dimensão Real responsável por fissurar, escavar, realizar por esburacamento ou erosão a incidência do impossível à ser materializada simbolicamente e/ou figurada imaginariamente, constituindo um corpus escriturante.

A partir dessa abertura de possibilidades de sentidos, substituímos o uso da palavra pelo significante. Assim, esse elemento passa a suportar os equívocos, de modo em que os atos de significação se tornam apenas um estilo que transborda significados para restar, ao fim, apenas o zumbido do enxame de letras de uma lalíngua perdida que ali ressoa. Esses atos de errância com e através da linguagem traduzem um dizer que fica esquecido por trás do dito.

E você, como traduz? Qual é o som que vagueia na sua língua em uso?

Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Thinkos. Em: www.alineaccioly.com.br

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