Meus amigos fazem piada da minha relação possessiva com meus livros. (Ela é denunciada na escrita, olha a quantidade de pronomes possessivos em uma única frase). Prefiro dividir meus amores do que meu modo de ler e escrever palavras em diálogos imaginários com os escritores.
Desde sempre tive ciúmes dos meus livros. Converso com os autores enquanto leio, escrevendo ideias que transbordam inspiradas por suas palavras. Emprestar um livro, depois desse trabalho ativo de leitura escrevente, implica emprestar meu encontro com o autor, enviesando o encontro de outros olhos com as mesmas palavras.
Esse primeiro problema causa o segundo, uma espécie de dependência que crio da presença física do texto. Preciso crer que posso acessar esses diálogos entretextos a qualquer momento, como referência para seguir escrevendo em outro lugar as investigações que comecei na leitura daquele volume.
Mas algo estranho está acontecendo. Desde que comecei o diário da dieta (que vai aniversariar seu primeiro mês completo), o exercício de escrita, publicação e liberdade sem vergonha está deformando minha necessidade de posse dos objetos materiais. Os textos vem ganhando o espaço que tanto aguardavam e, por possuírem endereço e residência, não correm o risco de serem perdidos escondidos ou esquecido entretextos de outras habitações.
Em um intervalo de quinze dias, emprestei quatro livros importantes a quatro pessoas diferentes. Um deles foi parar na praia, na foto de uma viagem de férias de um amigo. Quando ele postou a foto (o livro, um chinelo e a areia da praia), transbordei de felicidade por saber que algo da minha oferta de leitura estava atravessando sua experiência de vida noutro lugar, noutro tempo, noutro texto.
Os leitores do livros que empresto escrevem seus textos, mencionam esses escritores e, ao me devolver o material, contam sobre os caminhos que percorreram nesse intervalo da viagem com o livro, entrevidas. Acho que estou descobrindo o sabor de espalhar sementes que crescem em textos por vir. Colho esses pequenos tesouros dos textos alheios, guardo essas palavras em textos que espalho no meu território (agora aberto a visitação) e distribuo as sementes nascidas em mãos alheias, para que sigam o fluxo de plantio. Não é que a dieta muda mesmo nossa economia de prazer?
Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Sementes. Em: www.alineaccioly.com.br
