Querida leitora,
Quarta-feira de cinzas é o final da borda que fica entre o começo do ano segundo o calendário cristão e o começo do ano na realidade capitalista. Por isso o texto de hoje tinha que ser como uma carta, uma verdadeira newsletter para você que me lê. Obviamente eu sou a única que conta, um por um, meus escritos. Tenho o gosto de celebrá-los como quem celebra a perda de uma grama a cada dia de dieta. E, não se esqueçam, essa coleção de escritos que aniversaria hoje quarenta e nove dias sequenciais, flawless, para homenagear minha rainha Bey, começou com o desafio diário da dieta. O desafio segue com dias muito frutíferos e dias extremamente desafiadores. Nem todo texto que nasce vira publicação e nem toda publicação vale a pena ter sido escrita. E assim vamos caminhando.
A novidade da semana, além do Macetando acabando com o Apocalipse, é o lançamento de um álbum country de Queen B, nossa diva Beyoncé. De tempos em tempos alguma música country me pega. Standing outside the fire, the Garth Brooks, me anima nas manhã melancólicas ainda hoje, trinta anos depois do seu lançamento. Meu álbum preferido da Jewel, também incansável para curtir uma melancolia, vem de sua origem country nunca esquecida. Pieces of you tem pérolas como Who will save your soul, Little Sister, Foolish Games e You were meant for me. A música mais dramática da mulher independente que precisa seguir sozinha é originalmente um country, I will always love you. E como não ficar com os pêlos do corpo arrepiados depois de escutar as versões country que Johnny Cash fez de músicas rock, reverberando o caldo da melancolia que se escondia por trás de baterias, guitarras e gritarias clássicas dos anos oitenta?
No Brasil, há um equívoco sonoro curioso, que é tomar a música sertaneja contemporânea como fio da raiz country americana. Raras exceções, o sertanejo brasileiro manteve apenas o preconceito e a moralidade de base das origens do country. Por aqui, é um caldo grosso de machismos, de uma cultura de chorume e sofrência do pior tipo de heteronormatividade que cheira a feminicídio apaixonado e estraga até uma variante enormes de mulheres lésbicas que repetem o pior das relações heteronormativas com suas parceiras.
Ainda sei pouco sobre o desafio Beyoncé no gênero country, mas fazendo parte do grupo que mais passa pano para divas, os G dos LGBT+, pouco importa a relevância que sua música vai ter para quem é fã. Parece que o grande desafio é combater o racismo que ainda assola certos gêneros musicais, que ainda favorecem mais do outros um certo ideal de música, de sonoridade, de letra.
Todo esse desvio, cara leitora, foi para te avisar que por aqui o desafio da escrita diária segue sem compromisso algum de respeitar um gênero literário ou científico. A essa altura, se você está me acompanhando desde o dia um, já deu pra sacar que tem de tudo: resenha, esboço de artigo, autoficção, escritas do eu, sonho, carta, nota, bilhete, capítulo de livro. E é isso mesmo. Porque o importante é escrever, enfrentar diariamente as vergonhas que sentimos para nos autorizamos a ser artistas quando certos generos só atrapalham nossa liberdade criativa. Para escrever é preciso nos servir das estruturas. Há textos que ficam melhor numa modalidade do que em outra. Há músicas que ficam melhores em um ritmo do que em outro. E tem a Beyoncé, que fica boa em tudo.
No entanto, estou curiosa. Qual foi seu texto favorito até agora? Não, não me responda. Sua resposta provavelmente atrapalharia minha caminhada ao encontro de um estilo único. Mas você já percebeu que existem textos que são trilogias, porque as ideias só se entrelaçam depois da escrita de três textos separados? Você reparou como alguns textos são diálogos diretos com outros? Você reparou que talvez eu esteja sempre tentando escrever sobre os mesmos pontos de uma trama, com estilos e perspectivas distintas?
Seguimos, rumo ao texto de número cinquenta, amanhã.
Até Breve,
Al
Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Cinzas. Em: www.alineaccioly.com.br
