Quarta-feira, 13 de março de 2024
Querida,
Sonhei com você mais uma vez nesta noite. No sonho, eu estava numa festa familiar e você era pedida em casamento e aceitava, feliz. Eu rapidamente levantava da mesa onde estava sentada com minha família e procurava um motivo qualquer para caminhar, porque não conseguia segurar as lágrimas. Chorei porque morria mais um pouco, diante do seu sim, o sonho de um dia nos reencontrarmos no futuro, do mesmo lugar de possibilidade para apostar no nosso amor. A morte dessa fantasia acontece quase todos os meses nos meus sonhos, desde que você se foi. E já estamos separadas pelo tempo por volta de oito anos.
Enquanto estava chorando em outra mesa, disfarçadamente, descubro (revelo! – velo de novo!) uma joalheira que estava levando seu anel de casamento, a novidade mais quente daquele verão. As joias agora eram semi-arcadas de pedra preciosas e eram implantadas no dedo como chips tecnológicos de alta performance. A implantação era subcutânea, de modo que o anel de brilhantes era visto a olhos nus, mas estava sob a pele, implantado como um pedaço do corpo.
Gosto de sonhar com você porque todos os nossos sonhos são de luto. É uma despedida infinita da fantasia do amor recíproco e a queda vertiginosa do ideal do tempo certo do encontro na justa medida para dois elementos distintos. Ou seja, é a própria escrita da fantasia que recobre a impossibilidade da justaposição dos elementos de uma relação sexual. A relação sexual não existe, afinal. O que existe sempre é apenas a relação de um sujeito com um objeto indeterminado, erótica do vazio velada por uma fantasia sexual.
Sempre que sonho com você, me despeço dessa fantasia de amor, das estruturas de fantasia de modo em geral. Tropeço no luto necessário e infinito da inexistência da relação e sexual e depois disso sempre aparecem elementos enigmáticos e importantes para minha escrita. Foi de um sonho desses com você que saiu o texto que virou a abertura da minha tese, sobre os livrinho e seus sons. E hoje me parece que tem algo assim nesse conteúdo. Ou melhor, nessa formação.
Choro a impossibilidade do sonho amoroso, mas fico leve e livre quando vejo tamanha beleza e tecnologia voltadas para o aprisionamentos dos corpos femininos. Mesmo quando esse aprisionamento sobrevive entre mulheres. Como podem as mulheres desejarem casar? O casamento, esse discurso que extirpa mulheres, mata seus corpos e os aprisiona no mito da espécie? Como podem mulheres passarem grande parte de suas vidas implantando em seus corpos peças belíssimas que adornam o buraco que se escava em seus corpos para fazer caber a estrutura que as assassina e (des)subjetiva? Como podemos nós, mulheres, sermos tão fisgadas por essa servidão voluntária, auto ódio e desaparecimento? Até mesmo quando estamos entre mulheres?
Há muito a se elaborar sobre esse sonhos. Sobre o meu, especificamente, acho importante notar que ele se formou depois que assisti dois animes na Netflix. Blue eye samurai e ōoku, the inner chamber. É sobre a luta pela sobrevivência, cada um à sua maneira. Me despeço e aguardarei ansiosamente nosso sonho do mês que vem, agora que realmente descobri seus objetivos secretos.
Um beijo,
Al
Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Jóia Jaula. Em: www.alineaccioly.com.br
