Teco-teco

Rosa devia ter trinta e oito anos quando me chamou para viajar para o Rio de Janeiro com ela e seu novo namorado. Eu tinha cerca de treze anos e achei interessante a experiência de viajar de avião sem gastar um real. Acostumada a adormecer as nádegas de tanto ficar sentada no carro até chegar em Duque de Caxias, uma viagem de quarenta e cinco minutos me parecia extremamente sedutora. 

Chegamos no aeroporto e avistei o teco-teco. Era pequeno, cabia no máximo quarenta pessoas. Acho que nunca tinha visto um avião tão pequeno, mesmo não acumulando uma vasta experiência com aviões. Não tinha como desistir, Rosa fazia questão de destacar. Deve ter visto minha careta, eu que sempre fui expressiva. Mas o pior ainda estava por vir. O cara chegou e ela era um magrelinho, franzino, branquelo, uma aparência que não combinava com a ideia de um piloto confiável. Avião e piloto minúsculos, devo ter pensado em silêncio. 

Sim, o namoradinho da Rosa era o piloto e pedia para todo mundo chamar a Rosa de Sra. bláblá, seu sobrenome que não vem ao caso. Tratava Rosa como sua esposa, deixando de chamá-la pelo nome, substituindo este último por seu próprio sobrenome de marido. Ou seja, chamava-a como quem chama por si mesmo. Achei aquilo super estranho. Imediatamente supus que ele era casado e Rosa figurava apenas como a mulher “da vez” desse “porto”. Rosa apenas esbanjava alegria com a possibilidade fantasiosa de ser esposa de alguém. Entramos no avião e o teco-teco balançou, tremeu, chacoalhou uma hora até pousar no Rio. Tínhamos o final de semana todo para aproveitar a visita da família. Ela aproveitaria o passeio com ele e eu faria companhia às minhas primas, nos bailes funks cariocas. 

Dois dias depois era domingo e já havia começado mal. Fomos avisadas que nosso retorno seria de ônibus, pois o piloto não havia conseguido vagas para nós duas no voo de volta. Fiquei meio puta, porque não tinha assinado esse contrato de retorno para viajar de ônibus. Mas logo fui entender que alguma coisa ruim tinha acontecido entre Rosa e o pilotinho, mas nunca me autorizei a perguntar. Eu só tinha treze anos e se uma mulher adulta, supostamente madura, não poderia garantir nosso ticket de volta, quem seria eu para questionar qualquer problema.

Chegamos em São Paulo na segunda pela manhã e me lembro de nunca mais ter falado sobre esse assunto com Rosa. Tenho a sensação, no entanto, de ter escutado uma conversa dela com minha mãe na cozinha. O papo era sobre as vantagens femininas de transar de camisinha, especialmente porque não deixavam elas sujas de semen no final da relação. Contavam vantagem, ainda, sobre o corte de qualquer paranóia de gravidez indesejada. Minha mãe ria, não necessariamente concordando ou discordando, mas Rosa seguia o papo afiado, dando a entender que o erro daquela viagem fora brigar com o piloto para conduzir de camisinha seu pequeno instrumento, enquanto ele exigia a pilotagem sem capa. Estávamos em pleno ano dois mil e me parecia enigmático escutar detalhes de uma conversa de duas mulheres adultas que eu nunca tinha acessado com tamanha intimidade. 

Rosa mudou de assunto quando entrei na cozinha, mas havia escutado o suficiente. Que às vezes é melhor pegar um ônibus, e demorar muitas horas para chegar numa cidade, do que deixar um piloto voar no seu corpo sem capa. Mas o que eu realmente aprendi e nunca tinha me dado conta é que nada sai de graça, nunquinha.

Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Teco-teco. Em: www.alineaccioly.com.br

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