Hoje completei cento e vinte dias de escrita diária. Imediatamente me lembrei de 120 dias de Sodoma, do Marquês de Sade. O romance foi escrito em 1785 e conta a história de quatro libertinos – homens ricos -, que decidem experimentar a derradeira gratificação sexual em orgias. Assim, trinta torturados presos no castelo vivem nús, aceitando forçadamente as regras impostas por seus ditadores. Há estupros, escatologias, sadismo, tortura, todo tipo de perversão sexual. Entre os torturados, a maioria é adolescente do sexo masculino. Quanto as narrativas femininas, estas são inspiradas em abusos sexuais e tortura e quase sempre terminam com suas mortes.
Trata-se de um escrito incompleto, é importante marcar. Ele foi escrito em forma de notas, em rascunhos enquanto Sade estava preso. Durante muito tempo, Sade achou que os registros tinham sido destruídos, após uma invasão na prisão. Mas eles foram mantidos por uma figura misteriosa e preservados até que pudessem ser publicados no século XX.
O livro foi traduzido para diversas línguas e já foi banido em vários países por causa de seu conteúdo altamente explicito e cruel. No entanto, ainda hoje o livro serve de inspiração e referência para os estudiosos do tema, especialmente para pensar as saídas de valor literário e artístico para a perversão.
Diversos intelectuais já defenderam os direitos de circulação da obra, como a feminista Simone de Beauvoir, que defendia a importância de leitura da obra mais impura já contada no mundo, lançando luz aos limites e horrores da humanidade.
Particularmente, me abismo com a capacidade de escrita do Marquês. É preciso não temer o próprio horror, na escrita, para manter enjaulado (na linguagem) nosso mais íntimo instinto de transformação de pessoas em objeto para satisfação pessoal. E, não esqueçam, o princípio de satisfação sexual é sempre uma perversão, ainda que polimorfa. Sade escreve a caricatura de um horror que habita, escondido (ou a céu aberto?), cada um de nós. E os que não escrevem nessa urgência, fazem o que com seus fragmentos desumanos?
Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) 120 dias. Em: www.alineaccioly.com.br
