Universidade

Me formei na graduação em psicologia em 2006. Entre especializações, formações, mestrado e doutorado, percorri longos anos até o título de doutorado em estudos psicanalíticos, recebido em março de 2023. Cá estou, pouco mais de um ano depois desse final, voltando a graduação em tradução, para começar tudo de novo. Como diz meu pai, convencendo-se: não existe Aline sem estudo. É isso.

Tinha me esquecido como é a experiência de graduanda, depois de tantos anos. O semestre começou e em dois dias já tenho vivido recordações de uma época rasurada – os detalhes, as sensações, as histórias já não são mais tão detalhados. Essas dobras da vida são interessantes. Parecem um retorno a um lugar esquecido e conhecido, no entanto, se mostram absoluta e radicalmente diferentes de qualquer experiência passada. 

Na universidade a gente anda e escuta todo tipo de conversa. Aluno convencendo outro aluno a aderir a greve para sustentar o suporte a classe docente; aluno convencendo aluno a ir pro bar; professor conversando com outro professor sobre filosofia e falando mal de outro professor; gritaria de calouros celebrando sua entrada na universidade… a universidade ainda é um dos lugares onde a diversidade funciona, mesmo que acesso ainda não seja da maioria e da comunidade de seu entorno. 

Por que tradução? Para responder essa pergunta você vai ter que ler meu livro ou minha tese de doutorado. Mas, na verdade, eu me pergunto em qual momento fomos convencidos que o estudo é uma escada para alcançar produtivamente alguma coisa e esquecemos que a investigação, a pesquisa e o aprendizado são modos de existência para nos humanos, seres de linguagem. Estudar é inerente a nossa humanidade. As modalidades são distintas e variadas, logo, você pode não estar envolvido em um percurso de educação formal ou mesmo vinculado a uma instituição, mas tenho absoluta certeza que você nunca parou de estudar. Basta que você reconheça os momentos de estudo em sua vida e quando fica impossível não reconhecê-los. 

Atualmente, a mudança de vocabulário tecnológica e neoliberal faz a gente não perceber que estuda. As supostas facilitações em vídeos, oferecidas por treinadores e substituídas por inteligências artificiais, querem substituir nossa voracidade pela conhecimento. Todos nós somos pesquisadores natos e vorazes. Desde criança, queremos saber cada vez mais sobre as coisas que nos intrigam.

Quando ficamos sem um propósito prático para o dia a dia, perdemos a orientação que conduz nossos desejos e nossa existência. Portanto, não se trata de como vamos adquirir um conhecimento, como tem sido vendido o acesso informação nos tempos atuais. Trata-se de como nós construímos o conhecimento, como fazemos parte da própria máquina de estudo, engrenagem de articulação de saberes que são móveis e vivos, mudam o tempo inteiro.

Estudar muda quem somos, muda nossa existência no mundo. Não se trata do que ganhamos, do que produzimos, do que alcançamos, esses são apenas efeitos dos estudos e do nosso desejo por eles. Trata-se de como existimos e criamos caminhos para nossos desejos mais secretos e nada capitais. A universidade não está ai pra te preparar para o mercado de trabalho. Ela existe com outra missão: a de te ajudar a, quem sabe, destruir o mercado de trabalho que te molda e construir outras lógicas possíveis de trabalho que ainda nem existem, pois estão a espera de serem fundadas.

Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Universidade. Em: www.alineaccioly.com.br

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