Teste

A caixa quadrada e branca ficou três dias me olhando, a espera. Decidi deixar para o último dia o nosso encontro, receosa com o resultado, que poderia mudar radicalmente tudo que viesse depois. Quando já não era possível adiar, sentei-me de frente a caixa, na mesa, e comecei o ritual. Abri o pacote e retirei cada elemento, dispondo em ordem na mesa. Primeiro a caixinha com o líquido reagente. Depois o cotonete coletor. Por último, a fita com a transformação do resultado. Reli as instruções e comecei o procedimento. Passei vinte vezes o cotonete nas gengivas superiores e inferiores. Depois, submergi o cotonete no líquido reagente e aguardei por vinte minutos a transformação do material coletado na fita do resultado. Cronometrei no celular os vinte minutos, para ter certeza de não me antecipar ou atrasar. Nesses vinte minutos, pensei no quão ridículo era ser assombrada por um teste sabendo da minha vida sexual nada ativa nos últimos tempos. Lembrei ainda que num mundo preconceituoso como o nosso, fazer parte da comunidade LGBT e ser mulher são ainda dois modos de existências que constantemente temem o resultado de exames mesmo quando sabem que não fazem parte do estereótipo atribuído a essas dois modos de existência. Por último, tive raiva do tempo que passei me torturando numa relação hetenormativa e como ainda tenho medo de descobrir adoecimentos advindos das violências que passei nesse período forçado e torturante. Das coisas que a gente se coloca a viver para ter coragem de romper com certas estruturas e nunca mais voltar… Com os vinte minutos passados, li o resultado. Negativo. Não foi dessa vez que o HIV me pegou. Fiz o teste através da cortesia de um amigo e da campanha realizada durante a parada do orgulho LGBT que aconteceu nesse último final de semana em SP. Eles distribuíram testes gratuitos e rápidos para a comunidade local. Fiz o teste, principalmente, porque todo dia é um excelente dia pra combatermos os nossos mais secretos medos e angústias que advém na hora de uma testagem, seja ela qual for. O corpo é sempre esse território desconhecido e toda hora é uma boa hora para não hesitar em conhecê-lo. 

Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Teste. Em: www.alineaccioly.com.br

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