Carta 01

Desligamos. Chorei um bocado, imóvel, no escritório. Não saberia escolher as palavras corretas para desenhar o instante. Passei a vida pensando no fim, com dificuldade de separar, perder, seguir adiante, todos os termos e palavras que podem nomear os processo de fim. Quando finalmente aprendi, com ela, que os finais são travessias temporais que começam com a descoberta de um não e duram o tempo de sustentação do não para terminar com a ruptura advinda da permanência no não, tive que exercitar o aprendizado: o nananinanão com ela, comigo, com a travessia, e tudo desapareceu como as chamas depois de um fogo, quando encontram o sopro do vento e se dissipam no ar, no céu. 

Senti-me sozinha, redundante, leve e vazia. Como as cinzas, restos, voando, finalmente. a-colhedora, até o fim, ela disse que seguiria me lendo, logo depois de concluirmos que eu havia lhe procurado para ser escritora e, finalmente, depois de anos sustentando meu desejo pela escrita e a fabricação de vários objetos texto, mandei-lhe um texto, diretamente, e aquilo foi um dos sinais que a direção de trabalho estava concluída. Não havia sido um percurso de assunção da minha sexualidade, muito menos a irrupção de um saber sobre minha estrutura psíquica, porque passamos por todos esses pontos e não estive interessada em nenhum deles de verdade. 

a cura para o meu modo de produzir criativamente os mais variados enigmas e para as manifestações sintomáticas no meu corpo esteve sempre e silenciosamente presente na sala. O rumor, por muito tempo não lido, se tornou a própria curadoria entre textos, letras e estilos de linhas e fios. Queria tornar-me escritora, interessada menos na consistência e no peso da palavra, insistentemente desejosa pelo gesto de escrita e fabricação dos meus objetos. Eu, que sempre me interessei em criar histórias para os objetos órfãos que atravessaram meu caminho, desde a privada, a vassoura, as plantas, os livros, agora poderia finalmente criar meus próprios objetos e não mais ter que esperar pelo advento deles. 

Desde então, escrevo todos os dias. Nem sempre texto, nem sempre literatura, mas quase sempre pratico o desejo, a referência que torna-me todo dia um pouco menos eu e um pouco mais letra. Escrever é minha constante, meu desígnio. 

Desligamos. Ultrapassamos o fim, a finalidade, o percurso. A escrita permanece. 

Obrigada.

Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Carta 01. Em: www.alineaccioly.com.br

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