Passo dias sem escrever. Dentre tantos motivos e causas possíveis, o primeiro que surge com vontade de sair pela ponta dos dedos é que perdi de vez a pretensa destinatária que me motivou nos últimos meses, anos. Minhas cartas não possuem um destino ilusório pré-determinado. Findado o tempo de luto, e agora? Para quem escrevo?
Passei a vida amando pessoas como forma de contorno à escrita. Escrevia para elas. Escrevia como se elas fossem musas e por isso a relação precisava ser cortês, platônica, presentificando algum impossível que pudesse turbilhar a quantidade de palavras inventadas e ofertadas. E assim, depois de um longo trabalho de luto em análise e de um breve período de luto pós análise, não há mais esse pretexto, essa forma de contorno. Parece que agora não quero escrever para ninguém. Não quero mais escrever para.
Ainda desejo ser lida, mas descobri, junto com o fim do pós luto, que não ficamos à espera de ouvidos e olhos para lerem nossas palavras. Quando escrevemos, fundamos a leitura que virá, criamos os leitores também. Esses leitores não existem antes à espera do texto a ser lido, eles se fundam no mesmo tempo em que um texto nasce para ser lido. É como o big bang. O antes só existe como antes porque foi fundado pelo ato, pelo acontecimento que agora cinde o tempo em antes e depois. Haviam elementos dispersos que poderiam até serem reconhecidos, a posteriori, como fatos de uma estrutura montada e encenada pelo texto, mas eles não estavam amarrados e nem à espera. Eles só existiam aos pedaços, esparsos. Portanto, é a própria escrita que funda o texto, que funda o escritor, que funda um leitor. E a partir desse acontecimento, passa a existir o tempo enquanto tal, o antes, o durante e o depois das letras cavadas no papel.
Agora, apenas escrevo para ser. Apenas escrevo. Apenas. Agora.
Para citar o texto: ACCIOLY, A. (2024) Agora. Em: www.alineaccioly.com.br
